Falcão e o Soldado Invernal: Isaiah Bradley e o manto do Capitão América
26 Março, 2021O segundo episódio de Falcão e o Soldado Invernal nos deu uma grande surpresa, a aparição de Isaiah Bradley, que já assumiu o manto do Capitão América.
O discurso de representatividade se tornou algo muito importante e presente nos últimos anos, mas o que os fãs da Marvel não esperavam é que ele estaria presente de forma tão explicita em seu universo cinematográfico. Óbvio que até este momento já se assistimos alguns personagens negros e em tela e até mesmo o filme do Pantera Negra, um grande marco cultural. Mas o que foi mostrado no segundo episódio de Falcão e O Soldado Invernal intitulado de “O Herói Americano” nos leva além da representatividade e nos insere em uma crítica necessária e importante que deve ser posta e instigada a todos.
Se o senso comum nos apresenta que o Sam Wilson vai ser o primeiro personagem negro da Marvel a usar o manto de Capitão América a série mostra que não, isso por que Isaiah Bradley, personagem negro introduzido nos anos 2000, foi o primeiro herói afro-americano a deter deste manto ainda no período da Segunda Guerra logo depois do “desaparecimento” do Steve Rogers. Mesmo que a série nos apresente desse modo, o Isaiah Bradley dos quadrinhos foi criado de uma forma bem mais crua e pesada, pois fez parte de um grupo de soldados afro-americanos que foram testados com o soro de super-soldado, sendo o único sobrevivente. Essa história e contada na HQ Capitão América: Verdade – Vermelho, Azul e Negro de 2003. Daí sai a primeira crítica contra o racismo político dentro do universo do Capitão América e seguidamente o personagem virou uma lenda dentro da comunidade negra sendo totalmente esquecido pelos Estados Unidos, mas lembrado por personagens importantes como Malcom X e sendo reverenciado no casamento de Tempestade e Pantera Negra.
Por mais que tenha sido colocada de forma diferente, a narrativa da série e da HQ se entrelaçam e tratam do mesmo tema: o uso, abandono e esquecimento do homem negro e as suas consequências. Na série, Isaiah é introduzido em um episódio bastante significativo, no qual um segundo Capitão América estava sendo apresentado de forma festiva e gloriosa quando na verdade ele foi esse Capitão América, mas tratado de forma totalmente desigual, mostrando assim um personagem recluso e frustrado por ter sido usado e “só”! Isso por que logo depois os Estados Unidos não só se desfez do herói com o utilizou em experimentos enquanto Steve Rogers foi colocado em um pedestal e tratado como herói da nação. Ao inserir o personagem na série, a Marvel deu um grande passo sociopolítico, não só na história do Sam Wilson, como em todo o universo do Capitão América. Se por um lado já tínhamos um homem negro com receio de usar um manto que represente algo tão grande mesmo não tendo ideia da sua grandeza como personagem, por outro temos o Isaiah que já teve o gosto amargo de possuir esse manto, mas carrega um receio e raiva da posição e do que ela, até então, representou para os Estados Unidos, onde o próprio foi tratado de forma mais desumana que o exército inimigo, mostrando uma desigualdade real. Afinal, quando o Steve Rogers teve uma agulha se quer espetada em seu corpo sem o seu consentimento pelo exército dos Estados Unidos?
Possivelmente essa foi uma das maiores críticas políticas que a Marvel fez em vinte anos do seu universo nos cinemas e a forma que ela trabalhou em poucos minutos de tela é de uma grandeza imensurável, afinal se ao mesmo tempo temos uma cena que mostra como o Estado utilizou no passado um homem negro como fruto de pesquisa para em seguida abandoná-lo de forma totalmente racista (ainda no anos 40), o presente nos mostra que o Estado ainda tem o racismo como um dos seus pilares estruturantes, o que fica claro nos próximos minutos quando uma dupla de policiais abordam o Sam em um modo totalmente desigual em relação ao Bucky que estava ao seu lado.
Mesmo que a Marvel não trabalhe de forma tão profunda o personagem, fica claro sua importância e com certeza implica algo muito maior na narrativa do Sam Wilson, mostrando que o mentor que alguns telespectadores esperavam não vai ser Steve Rogers e sim Isaiah Bradley, o Capitão América.
Apaixonado por cinema, cerveja e cultura POP. Negro e defensor do cinema nacional