I May Destroy You – Michaela Coel usa o entretenimento para abrir importante debate sobre vítimas de abuso sexual
18 Agosto, 2020Talvez você já tenha ouvido falar sobre Michaela Coel, uma das novas vozes do movimento #MeToo, vencedora do BAFTA e também produtora da série “Chewing Gum”. Uma série com humor irreverente, que acompanha a vida de uma garota de 20 e poucos anos do subúrbio que tenta perder a virgindade e tem que lidar com várias questões raciais, classe, familiares e religiosas nesse processo. Vale muito a pena conferir, não somente esse trabalho, mas a carreira de Coel que cresce e ganha um maior destaque com “I May Destroy You”, produção original da HBO e que vem ganhando seu espaço pela abordagem ambiciosa, intransigente e nunca antes vista na televisão.
Michaela Coel, nascida em Londres é uma atriz, poeta, roteirista, produtora, diretora, cantora e ativista. Sua carreira começou em 2006 enquanto ela ainda lia poesias em locais públicos. Em 2012 escreveu e apresentou Chewing Gum, que mais tarde veio a ser uma série de TV dividida em duas temporadas. Usando sua voz e talento, ela tem sido reconhecida por abordar temas de extrema importância em suas produções.
I May Destroy You segue a vida de Arabella (Interpretada por Michaela Coel que também é criadora, roteirista e codiretora da série), autora de um best-seller chamado “Chronicles of a Fed-Up Millennial” baseado em sua vida no twitter e que faz muito sucesso. Arabella tem o jeito divertido e espontâneo, o que a faz ser muito querida por todos a sua volta, e agora está correndo atrás de terminar a entrega do seu próximo livro a tempo, quando decide tirar uma folga para curtir uma última noite.
A noite após a festa, Arabella acorda e percebe marcas em seu corpo e não consegue lembrar de nada que aconteceu, exceto por alguns flashbacks de um homem pairando sobre ela em um banheiro, no que parece um ataque sexual. Mesmo querendo acreditar que foi uma noite qualquer, em que se perder o controle, ela precisa reconhecer que seu próprio controle, foi tirado ao adulterarem sua bebida. Ao entender que, de fato, aconteceu um estupro, a personagem vive a jornada de assimilar e se curar do que ocorrido.
Personagens e histórias que se aproximam da realidade das vítimas e como ela aborda a importancia de evitar revitimização
Ao longo da série, não somente a história de Arabella, mas de outros personagens ao seu redor, começam a abordar a importância do consentimento, explorando a violência sexual em diferentes formas e contexto que cercam as relações. Como a remoção de um preservativo no meio do sexo sem consentimento. A partir daí a série se preocupa em mostrar as complexidades da agressão sexual e como ela afeta os sobreviventes, as pessoas ao redor e toda uma comunidade. E sim, há muito o que analisar quando se trata da sexualidade, de alguma maneira te deixa desconfortável ou também de te fazer se perguntar por que uma coisa o incomoda e outras não.
Confiar em você mesmo e em seu corpo e nas intenções de todos ao seu redor é uma dificuldade. A dúvida sobre si mesmo, de que isso possa ter acontecido de verdade com uma pessoa livre e popular, já que em algumas vezes a própria personagem tenta compreender se aquilo mesmo aconteceu com ela. Principalmente ao tentar juntar os pedaços do acontecido, pode ter sido muitas “coisas”. Há vários estágios para se passar nesse processo, como a negação. Em outro ponto você também se depara que em mesmo com situações que você diz “sim”, os limites são ultrapassados e o que deveria ser consentido pode virar um abusos de diversas maneiras.
Na temática da trama, mostra a importância das formas de abordagem ao ouvir a vítima, pois no modelo tradicional esta baseia-se em ações que se repetiam ao longo do processo; trazendo efeitos negativos às vítimas deste tipo de crime, como a revitimização. Trata-se do sofrimento emocional e psicológico infligido pela lembrança do trauma, constrangendo a vítima.
Por isso se faz muito necessário ouvir outras pessoas que já passaram pelo mesmo. Arabella cita na série da importância dos encontros com seu grupo e como se sente confortável em falar uma com as outras mulheres, além de que a conversa em si a ajudava a superar o trauma.
Coel ainda relata que a história é baseada em sua própria agressão sexual, episódio ocorrido quando ela escrevia o roteiro de Chewing Gum, na segunda temporada.
“Escrever sobre minha agressão sexual foi ‘catártico” diz Michaela a BBC, “Levei dois anos e meio no total para escrevê-lo e não fiz nenhum outro trabalho. Às vezes, estamos em profunda negação e não é que imploremos que as pessoas acreditem em nós, mas na verdade as pessoas estão implorando para que acreditemos nelas sobre o que aconteceu conosco.”
“Todo o programa lida com aquele momento em que o consentimento foi roubado de você e você perdeu o momento em que tinha o arbítrio para tomar uma decisão […] Apontar para nós mesmos e nos culpar é a coisa mais inútil. Precisamos ser um pouco mais gentis conosco mesmos e nos perdoar pelas vezes em que não dissemos não alto o suficiente.”
Então diferente de outras séries que maratonamos incansavelmente os episódios, além de apresentar uma visão diferente sobre o que uma mulher passa depois de uma agressão sexual, prepara-se para entrar numa gama de emoções diferentes e totalmente responsável. Mas ainda assim, tenha consciência sobre o assunto abordado e não assista se não estiver confortável com cenas de sexo, violência e drogas.
Sou cinéfila e meu filme favorito é indie e pouco conhecido, ele se chama Barbie Fairytopia.