O filme Blonde e seu diretor usa a imagem de Marilyn Monroe para suas próprias convicções masoquistas
30 Setembro, 202260 anos após a morte inesperada de Marilyn Monroe, tudo ao seu redor se mantém com muito mistério e cheio de especulações. A sua personalidade e ascensão no mundo do entretenimento despertou interesse entre diversos curiosos do público geral, estudiosos, cineastas, críticos e historiadores tentando desvendar quem de fato era Norma Jeane e diferenciá-la de Monroe. Marilyn foi e é incontestavelmente, a maior estrela feminina que já passou pela indústria cinematográfica, e ainda assim é constantemente associada a um símbolo sexual, onde tudo que Hollywood ainda pode contar sobre ela são quase 3 longas horas de sofrimento infindável.
Seria ela uma pessoa real ou seria uma persona fabricada para o entretenimento?! É assim que Blonde (2022), longa-metragem produzido pela Netflix e dirigido por Andrew Dominik (Killing Them Softly etc), tenta construir sua narrativa sob os olhares animalescos das câmeras e de como o mundo enxergava Norma Jeane. A cubana Ana de Armas está no papel principal vivendo Norma Jean Mortenson e Marilyn Monroe. E são inegáveis as semelhanças de ambas visualmente.
Para se preparar para o papel, a atriz raspou suas sobrancelhas, usou lentes de contato azuis e perucas platinadas feitas meticulosamente para captar cada detalhe de Monroe para as telas. Assim como o seu porte físico. Sua atuação entrega algo com muita maestria e bem visceral, merecendo realmente atenção para o quão boa ela é. Quanto aos figurinos do filme, réplicas exatas dos vestidos mais icônicos de Monroe foram criadas para Blonde, como o vestido rosa choque criado pelo estilista William Travilla no filme “Os Homens Preferem as Loiras (1953)”, figurino qual a atriz Ana de Armas disse ser a sua fantasia favorita para usar. As informações foram reveladas em uma edição da revista Vanity Fair em entrevista ao elenco.
Embora ao longo das suas 2 horas e 47 minutos o filme tenha semelhanças em comum com outras cinebiografias e sua estrutura de roteiro seja muito típica de tal, cobrindo a sua vida que vai desde a infância, carreira e morte – ele não pretende ser fiel a realidade, mas sim em como ela incorporava a sua persona de Marilyn Monroe. Tendo muito da narrativa do romance escrito por Oates, que re-imagina como seria os bastidores da sua história de vida, o diretor vai sse arriscando até ir mais além. Só que sem alcançar bons resultados. O que pode ser perigoso e totalmente cruel assim desrespeitoso para a família e também a memória da atriz. Já que não pode sequer se defender.
Dominik aproveita de recursos cinematográficos que no mínimo são contraditórios e irresponsáveis em nome do glamour e fazer o seu nome em grandes premiações e polêmicas. Porque é isso que Hollywood é, predatório e animalesco em sua essência, principalmente para as mulheres. E o resultado final do seu filme é uma longa jornada de muita miséria, onde ele expõe Marilyn Monroe e Norma Jeane a um processo de sofrimento continuado e repetitivo mesmo após sua morte, já que o público – que não pode mais abusar e explorar a sua vida – goza desse sofrimento.
Com transições entre paletas coloridas e preta e branca, o filme não deixa claro o que de fato quer mostrar com essas aleatoriedades e acaba em certo ponto se tornando bastante tedioso. Outro ponto que o diretor toma é sempre mudar as proporções de filmagem e fazer jogos com cenas e retratos de fetos e distorcidos como um pesadelo, além de enfatizar a sua natureza artística que é evidentemente baseada em algo bem voyeurista. O filme além de entrar em sua mentalidade, mais objetifica Armas, cujo corpo é altamente explorado em inúmeras cenas de nudez gratuitas e de sexo. Os saltos de eventos que vão acontecendo também acabam deixando tudo ainda mais confuso e com uma sensação de que ele não corre como deveria correr. Desorientado no mínimo, caótico e superficial. Ou está sempre no mesmo lugar ou está em algum acontecimento do futuro. São vários cortes e recortes que novamente ficam mais aleatórios que as trocas de paletas e efeitos estilísticos exagerados.
Marilyn é a estrela mais infeliz que Hollywood já teve conforme o roteiro passa. Sempre se submetendo ao tratamento predatório da indústria e de todos que se relacionavam à sua volta. E o que a narrativa dar a entender é que o cerne dos seus problemas todos estão ligados a uma falta de conexão familiar, onde mostra o desde o início conturbado do relacionamento com a sua mãe, qual ela sempre buscava sua aprovação e era ignorada. O abandono do seu pai e diversos relacionamentos que não deram certos. Aqui voltamos ao ponto onde a narrativa toma um ponto bastante perigoso ao retratar Norma Jeane e não cria nenhum propósito real para existir além de continuar nos enchendo com mais e mais de dor e sofrimento.
Como e por que ela criou sua persona? Será que ela era apaixonada pelo que faz? Não existe um ponto do filme em que ela está ciente de que seu trabalho era muito mais valioso do que vender sua imagem sexual ou que sua arte era mais significativa que ser um símbolo sexual.
O filme tem um bom elenco de apoio. Mas além desses relacionamentos serem bastante conturbados para serem explorados com tamanha superficialidade, cada frame que passava, uma sensação ainda mais angustiante ficava ao ver que Marilyn só tinha pessoas ao seu lado para suga-la. Esses ocorridos foram mais importantes para o diretor transportar para aos espectadores, do que de fato retratar as multidões de fãs e aplausos de pé, que celebraram a sua carreira, e a admiração pública que a atriz gerou ao longo da sua breve carreira. Quando esses momentos acontecem no filme eles não têm impacto algum para a trama e desenvolvimento da personagem – o que deveria minimamente.
De todas as conexões do filmes, salva-se apenas o personagem Arthur Miller, interpretado pelo ator veterano Adrien Brody, que dentre todos os que passaram pela vida de Monroe, era o que parecia ter as intenções menos cabulosas e irracionais. O resultado do filme no geral é uma grande tortura pornográfica em que não vale a pena mais evidenciar tais, incluindo o absurdo do seu envolvimento com John F. Kennedy. O brilho que Ana de Armas passa em sua atuação acaba sendo ofuscado à medida que mais situações drásticas ocorrem no filme. Em diversos momentos é sentido que o próprio diretor tenta apagar o brilho da sua atriz principal, a impedindo de demonstrar muito mais do que é capaz, evidenciando suas técnicas bizarras. Sem algum brilho, tudo se torna tão vazio e raso como um pires para destacar somente o sofrimento e abuso da personagem principal. Embora possa existir material suficiente para se criar uma visão mais crítica da construção da personalidade e carreira de Marilyn, o diretor se preocupou em tomar os piores rumos e mais desagradáveis. Tornando Blonde uma das piores produções da Netflix.
Ficha Técnica:
Titulo: Blonde
Ano: 2022
Direção: Andrew Dominik
Roteiro: Andrew Dominik e Joyce Carol Oates
Distribuição: Netflix
Data de estreia: 28 de setembro de 2022
Duração: 2 h 46 min
Elenco: Ana de Armas, Adrien Brody, Bobby Cannavale, Julianne Nicholson, Xavier Samuel etc.
Sou cinéfila e meu filme favorito é indie e pouco conhecido, ele se chama Barbie Fairytopia.