22 Anos de O Auto da Compadecida: a Imortalidade do Cinema Nacional
26 Setembro, 2022Existem obras literárias que são imortais, obras que viram peça teatral, música, filme, série. Romeu e Julieta é um exemplo clássico para muitas pessoas, mas aqui no brasil a mais memorável estreou há 22 anos: O Auto da Compadecida.
Baseada em uma peça de 1955 de mesmo nome do emblemático Ariano Suassuna, O Auto da Compadecida marcou não só a geração, mas toda uma cultura nacional baseada em regionalismo, humor e fé, juntando vários aspectos em um cenário cativante que mistura o realismo com o lúdico de um forma brilhante e inesquecível.
Dirigido por Guel Arraes, o filme foi de extrema importância no resgate da cultura nacional dentro do cinema, algo parecido com Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme de 1964 do Glauber Rocha, um marco dentro do cinema novo.
O Filme que se passa em uma pequena cidade no interior do nordeste, trabalha para traduzir e adaptar vários elementos imaginários pro senso comum com muito cuidado e respeito não só com sua obra original mas com todos personagens dela.
Engana-se quem acha que o filme é apenas uma comédia que mistura prendas e sotaques, aqui ele vai além, ela utiliza o humor e personagens marcantes para catalisar suas mensagens, críticas e reflexões. Usando da linguagem teatral em diálogos extremamente frenéticos, que brincam com as figuras de linguagem, carregados de humor com muita inteligência de uma forma muito bem escrita e interpretada o filme consegue cativar todas as idades sem subestimar ninguém, muito pelo contrário, a obra fica cada vez mais interessante quando assistimos várias vezes em vários momentos de nossas vidas mostrando a inconsistência dos nossos pensamentos e sentimentos através do tempo.
Personagens como João Grilo interpretado pelo saudoso Matheus Nachtergaele que tatuou seu nome dentro da história do cinema nacional, com seu personagem carismático, que mesclava a bondade e a esperteza a ironia e a sinceridade de uma forma tão complexa de se fazer mas tão gostoso de se assistir. Selton Mello encarna Chicó, personagem que se adequa ao mocinho que beira a malandragem, transita entre a coragem e a covardia e ainda assim carrega toda a filosofia do romantismo, assim temos uma das melhores duplas da cultura pop. Batman e Robin? Não conheço.
Rosinha interpretada por Virgínia Cavendish e Dora pela Denise Fraga traz as personagens femininas marcantes e extremamentes singulares dentro de suas personalidades fortes e únicas e ainda seguindo a linha de personagens femininas marcantes temos a divina Fernanda Montenegro que não ironicamente vive a santa Virgem Maria, bondosa, potente sábia e poderosa contrapondo o amedrontante Diabo brilhantemente vivido por Luis Melo.
Falar dos personagens de O Auto da Compadecida abre um enorme leque de singularidades, é difícil resumi-los aqui o lúdico, o real, o caricato e o humano andam de mãos dadas existindo diversas características e uma enorme profundidade em cada um deles. Ouso falar que essa obra tem um dos melhores elencos e personagens de qualquer obra já feita, cada ator casa perfeitamente com seu personagem. O filme ainda traz o tabu da figura religiosa de Jesus como um homem negro interpretado por Mauricio Goncalves e ainda brinca com essa questao na cena final do filme.
O Roteiro é rico, é rápido, cheio de diálogos que brinca com o teatro, a poesia de cordel, a regionalidade e o sotaque de um verdadeiro brilhantismo. A medida que vai passando os atos ele vai ficando mais cativante e ainda abre espaços para reflexões como a icônica cena do julgamento do juízo final, colocando embates como Jesus e o Diabo de uma forma tão cômica mas carregando toda uma filosofia do bem e do mal, do certo do errado e tantas outras questões como a hipocrisia das igrejas, a ganância as relações de poder e tantas outras, embate esse, que faz Lucifer vs Morpheus em Sandman parecer brincadeira de criança (no bom e velho humor).
Falar de O Auto da Compadecida é falar de brasil,é falar de talento, humor de nordeste, de agreste. É falar de música de teatro, poesia, literatura é falar da importância e do valor da cultura dentro da identidade nacional na sua forma mais pura e bonita.
Apaixonado por cinema, cerveja e cultura POP. Negro e defensor do cinema nacional