Análise | Um Capitão América Nativo não é uma boa ideia da Marvel
11 Maio, 2021Joe Gomez é o Capitão América Nativo e será apresentado em uma história brevemente na Marvel Comics. Mas seria essa nova aposta da Marvel um erro ou um acerto?
Nos últimos meses vimos um dos mantos mais importantes da Marvel Comics e do MCU ser passado para um homem preto. A série Falcão e o Soldado Invernal estabeleceu que o novo Capitão América a representar o herói nos filmes e tv será Sam Wilson, anteriormente o Falcão.
A história de Sam Wilson é semelhante aos dos quadrinhos, e a série também toca em assuntos importantes como o apagamento da história de homens que deram suas vidas em guerra, experimentos e foram esquecidos ou silenciados. E ainda nos traz um nome de peso: Isaiah Bradley. Nesse quesito, a série foi um dos passos mais importantes na representatividade para trazer para as crianças e adolescentes. Mas esse ponto de vista é cheio de ressalvas. Por que quando vamos nos aprofundar nas histórias, vemos que a representatividade das empresas costumam ser apenas para a venda e isso torna da representação um conceito vazio.
Steve Rogers é um dos heróis mais antigos da Marvel. Antes mesmo de ser a Marvel, suas primeiras histórias foram publicadas pela Timely Comics. Jack Kirby foi seu desenhista e Joe Simon o responsável por criar o “Sentinela”.
O Sentinela da Liberdade é também um dos nomes que ele ficou conhecido. Além das características físicas, o soro de supersoldado atenuou todas as boas características de sua personalidade. Steve é conhecido também por não usar nenhuma arma além do seu escudo feito de um material praticamente indestrutível.
A ascensão da popularidade do Capitão América veio com os eventos da Segunda Guerra Mundial, claro, os Estados Unidos precisavam mostrar quanto esteve empenhado em derrotar os nazistas. Ao acabar a guerra, suas histórias foram decaindo, mas ele novamente volta ao auge quando surgem os Vingadores. Ao longo dos tempos esse manto passou vários nomes e diferentes ideias por trás do que é ser o Capitão América. E agora em 2021, a Marvel Comics aposta numa série mostrando vários desses nomes juntos, carregando um mesmo propósito. Nessa edição, também veremos o Aaron Fischer, o primeiro herói LGTBQ+ carregar esse manto.
Outra aposta da editora nessa mesma edição está sendo um Capitão América de origem nativa. Seu nome é Joe Gomez, da Comunidade Kickapoo. Seu personagem será apresentado no quadrinho The United States of Captain America #3, com lançamento previsto para agosto de 2021.
A saga começa quando o escudo original do Capitão América é roubado. Steve Rogers, Sam Wilson, Bucky Barnes e John Walker se reúnem para procurar quem o roubou, e ao longo do caminho, a Marvel nos apresenta novos heróis inspirados no Sentinela da Liberdade. Na terceira edição, seremos apresentados então ao Joe Gomez, o Capitão América da comunidade Kickapoo.
Joe Gomez foi criado por uma Lipan Apache, geocientista e escritora, Darcie Little Badger. E David Cutler, membro da Qalipu Mi’kmaq First Nation ficou responsável pela arte.
“Joe Gomez é o Capitão América! Mal posso esperar para vocês conhecerem esse cara. Trabalhador da construção civil por dia, herói 24 horas por dia, 7 dias por semana. Roupa e personagem desenhados por David Cutler, que foi inspirado em trajes de dança”. “Algo que adoro em Joe é seu trabalho diurno. Representa tudo o que ele representa como herói.” Palavras de Darcie Little Badger ao falar sobre o personagem em seu twitter. David Cutler também revelou estar muito satisfeito com o resultado “Não consigo expressar o orgulho que sinto por fazer parte da equipe que apresenta Joe ao mundo” […] o Universo Marvel é o maior palco que existe, e trazer um novo herói das Primeiras Nações para esse local significa mais do que eu posso dizer.”
Será que foi uma boa ideia o personagem Nativo como Capitão América?
A escolha de dois nativos para escrever e desenhar um personagem também nativo, está sendo celebrada e é muito importante que tenha esse aval para fazê-lo e que esses artistas tenham a devida visibilidade na comunidade. E é óbvio, como o próprio Cutler disse, estar na Marvel é uma grande oportunidade única na carreira.
Mas também parece ser uma escolha ousada da editora e bem problemática. Essa não é a primeira e nem a última vez que teremos problemas já que constantemente homens brancos tentam escrever sobre pessoas não brancas e outras culturas, e isso acaba indo mal. O caso em si é o símbolo da América para ser representado por um nativo.
Essa decisão já divide bastante opiniões, mas é sabido que só podemos dar uma opinião final até que a Marvel libere toda edição para entendermos esse contexto. Só que até lá fica a dúvida; Por que um nativo resolve usar a mesma estrela no peito, de uma nação construída com o sangue de seus antepassados?
Aos que conhecem brevemente sobre a história do país, sabe que o Estados Unidos foi responsável pelo genocídio de milhões de nativos no século XIX. Ocasionando também no apagamento de suas culturas.
Quanto às histórias em volta do Capitão América num geral, diversas vezes girou em torno do Imperialismo Norte Americano, assim como a Marvel num geral é cheia de propaganda militar e parece nunca ter outro roteiro para além da Guerra Fria. Mesmo com todo histórico de bondade e proteção para aqueles que não tem voz, e diversas vezes ficando contra o próprio estado, ser o Capitão América ainda seria um problema.
Ainda que isso não seja evidente, não deixa de ser um legado carregado de dor e sangue. A imagem do escudo e sua estrela, sempre será de defensores de uma nação colonial e invasora. Sim, é importante que escritores estejam prontos para tirar a empresa do próprio conforto e mudar alguns dos seus conceitos. Mas as vezes a própria definição de representatividade pode ser prejudicial e acaba caindo na onda liberal, já que as empresas estão “desesperadas” para corrigir seus erros, e assim artistas acabam dando o consentimento e cedendo pautas importantes a propagandas imperialistas. Precisam mostrar e ter seu trabalho.
Inserir essas pautas tardiamente, é para suprir os interesses e questões lucrativas para que essas empresas se mantenham relevantes. Por mais que todas as séries, filmes e quadrinhos tenham a sua representatividade, atrás dos panos ainda estão os mesmos homens brancos atuando e dando suas ideias, os mesmos responsáveis pelos diversos estereótipos e reprodução do racismo.
A Marvel já possui personagens Indígenas, e com todos os personagens escritos por nativos também. Por qual motivo não os interessa dar continuidade a essas histórias originais? Na real concepção da visibilidade, isso seria mostrar a sua cultura de verdade, não se aproveitar dessas suas figuras, para implementar sua própria história distorcida, como se em algum momento fossem coisas boas.
O quadrinho será lançado no próximo semestre e vamos esperar para ver o desfecho dessa saga e como as pessoas em geral vão reagir com essa imagem.
Sou cinéfila e meu filme favorito é indie e pouco conhecido, ele se chama Barbie Fairytopia.
Parabéns pela analise. Ficou muito boa.