Crítica | Mulan – Com diferenças, o filme acerta onde a Disney errou nos live-actions anteriores
7 Setembro, 2020Depois muita espera, o tão aguardado live-action de Mulan foi lançado no Disney+ após ser adiado diversas vezes por conta da pandemia.
Acho que não é preciso introduzir Mulan, afinal, essa personagem faz parte da vida de muita gente e é quase impossível esquecer o sucesso mundial que foi a animação clássica, lançada pelos estúdios da Disney em 1998. Nesta nova versão, no entanto, tivemos algumas diferenças em relação ao material original, mas que fizeram total sentido para o que foi apresentado. Não é uma lembrança distante o quanto todo mundo ficou decepcionado porque alguns elementos do clássico de 1998 não seriam aproveitados no novo filme, o que deixou muita gente com o pé atrás. Hoje, podemos dizer que tais elementos não fizeram falta.
Mulan é uma personagem muito engenhosa. Quando assistimos a animação, é possível reparar na forma inteligente como a personagem age desde o início, quando ela faz cola para se apresentar a casamenteira ou quando arma uma distração para o seu cachorro dar comida às galinhas. No live-action, podemos ver Mulan criança, algo novo e que se mostra um ponto crucial para entender melhor a personagem nesta versão. É dito que Mulan tem um forte chi — que, na cultura chinesa, é como se fosse uma fonte de energia interior, embora existam muitos conceitos para defini-lo.
No filme é explicado que um chi grande e forte é algo reservado para homens, e que as mulheres são vistas como bruxas caso elas utilizem essa energia poderosa que existe dentro de si. Essa novidade na história é bastante interessante quando se leva em conta que Mulan é vista como uma personagem muito diferente das que vieram antes dela nas animações da Disney, seja pelo fato dela ter muita força física e “fazer o trabalho duro”, ou por ter uma personalidade muito forte de assumir qualquer responsabilidade. Nesta nova versão, Mulan não está apenas escondendo seu verdadeiro gênero, mas também se retraindo e não mostrando a força do seu chi, da forma que foi ensinada por seus pais e sua cultura.
O filme possui uma carga emocional de desenvolvimento pessoal bem mais intenso do que o original, além de ser totalmente focado na protagonista. Levando isso em conta, é importante pontuar que a Disney finalmente acertou ao entregar uma personalidade muito mais forte e presente para Mulan nesse live-action, coisa que não vimos nos protagonistas de algumas das adaptações anteriores — basta lembrar o péssimo desempenho da Emma Watson como Bela, que foi algo totalmente sem graça e sem emoção. Yifei Liu, que interpreta a protagonista, soube agarrar tudo o que Mulan já é e também trazer muito mais da personagem que não vimos na animação.
As referências à versão clássica aparecem de forma singela e bonita. Acredito que as maiores referências sejam a batalha nas montanhas, o desastre com a casamenteira e os companheiros de Mulan no exército chinês. Vale destacar o personagem Grilo (Jun Yu), que é uma referência direta ao Gri-li, e também Hounghui (Yoson An), que representa Shang nesta nova versão. Sobre esse personagem, foi interessante como eles conseguiram trazer o afeto de Shang tem por Ping no clássico, mas aqui temos uma versão mais “atualizada” e muito mais fofa e que mesmo assim não se sobressai em cima do protagonismo da Mulan.
No caso dos vilões, percebe-se que a Disney levou a sério as críticas que recebeu em relação a representação dos hunos na versão de 1998. A animação foi duramente criticada por apresentar este povo de forma estereotipada e racista. Dessa forma, a nova versão apresenta Xian Lang (Gong Li), a bruxa, e Bori Khan (Jason Scott Lee), líder do povo rouran, como os vilões do filme. Quando foi anunciado que uma bruxa seria a vilã, muitas pessoas também estranharam, mas vendo a o produto final, essa alteração fez muito sentido. A personagem tem uma história bem interessante e que soma para a trajetória da Mulan, já que ela também possui o chi elevado e também não foi aceita na sua aldeia. No entanto, teria sido interessante dar mais destaque para ela no final do filme, invertendo sua participação com a de Bori Khan. Seu arco de redenção seria mais significativo e com certeza elevaria a história.
Aliás, a luta final foi bem menos grandiosa do que se poderia esperar. A animação de 1998 tem um momento muito icônico onde a Mulan derrota Shan Yu durante a festa de comemoração na cidade imperial, quando o exército chinês acredita já ter derrotado os hunos. Entendo que o filme não precisa ser uma cópia exata da animação, mas acho que o final poderia ter sido muito mais bem explorado, complementando o que já foi visto, mas o filme optou por fazer um encerramento breve que se une a redenção da Xian Lang.
Falando rapidamente da produção, a trilha sonora é bem suave e traz instrumentais das músicas clássicas, dando um certo ar de nostalgia bem significativo para os fãs, mas ao mesmo tempo condizente com a nova proposta apresentada. A fotografia é bem bonita e o filme é muito bem dirigido como um todo, com destaque para as cenas de luta que trouxeram um clima de filmes de artes marciais dos anos 1980 e 1990. O tom do filme é definitivamente diferente do original, mas muito bem trabalhado dentro da nova proposta.
Mulan pode ser o primeiro grande passo da Disney para equilibrar as suas adaptações live-action. Sabemos que o intuito da onde de live-action e remakes são de criar um sentimento nostalgia nos fãs, mas nem sempre isso dá certo. Já ficou claro que copiar as animações frame-a-frame não funciona, mas afastar-se demais dos clássicos também se mostra perigoso. Mulan chega, finalmente, a um necessário meio termo. Podemos nos emocionar mais uma vez ao ver a personagem ganhar vida, passar por desafios e se tornar a heroína da China, mesmo que de uma forma diferente. A alma e o coração de Mulan definitivamente está presente nesta nova versão.
Se falar mal da Beyoncé o pau vai comer.