Crítica | Bacurau – É resistência e o cinema nacional vive!

Crítica | Bacurau – É resistência e o cinema nacional vive!

4 Setembro, 2019 0 Por Vanessa Burnier

No futuro próximo do Brasil, a pequena vila de Bacurau se vê isolada do mundo exterior. Ela não aparece mais em nenhum mapa on-line, os telefones celulares não recebem sinal e estão ficando sem comida e água. Em seguida, ela é atacada por uma equipe de greve de supremacistas brancos estrangeiros, liderada por um misterioso atirador alemão (Udo Kier).

Bacurau, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é uma mistura impressionante de ação, western, suspense, comédia e apenas uma ponta da ficção científica. Também tece uma quantidade considerável de comentários políticos. Desde o início de 2019, o Brasil é liderado pelo presidente conservador Jair Bolsonaro, e alguns de seus comentários e políticas mais flagrantes parecem amplamente refletidos aqui. Até vem com um político não confiável: o prefeito local Tony Jr (Thardelly Lima), que tenta fracamente agradar os moradores locais doando alimentos à comunidade e entregando livros usados à biblioteca da escola local. Essa vantagem política parece estar de acordo com o trabalho passado de Filho. Seu filme anterior – o maravilhoso drama Aquarius – apresenta uma jornalista aposentada se posicionando contra uma empresa imobiliária implacável. O escopo aqui é mais amplo – uma pequena cidade que mantém a tradição contra seu governo – mas a luta em seu coração permanece a mesma.

O ponto de entrada na narrativa é Teresa (Barbara Colen), uma mulher que volta para sua casa em Bacurau pela primeira vez em muito tempo para assistir ao funeral de sua avó. Não demora muito para o filme desenvolver um amplo conjunto de excêntricos coloridos. Teresa parece mais fundamentada do que a maioria, e o filme ganha muita profundidade ao formar um relacionamento entre ela e um “ex-gangster” relutante chamado Pacote (interpretado com uma paixão ardente por Thomas Aquino). É um filme surpreendentemente longo, dado o seu conteúdo, mas a duração fornece muito tempo para expandir e iluminar os vários personagens. Lunga (Silvero Pereira) é um dos destaques: um rebelde enfurecido que se esconde com uma gangue fora da cidade e faz uma guerra com o prefeito por falta de água. Sonia Braga, que colaborou com Filho em Aquário, volta a trabalhar aqui para interpretar uma médica da cidade. Ela causa uma impressão forte e duradoura – assim como Udo Kier no modo típico de cinema cult.

O filme parece um pastiche, com dívidas visuais e tonais devidas a John Carpenter, Wake in Fright de Ted Kotcheff e, por sua vez, a marca pessoal de western psicadélico de Alejandro Jodorowsky. Essa mistura bastante agressiva dá ao filme uma sensação distinta que vai agradar os fãs desse tipo de entretenimento violento sangrento e agressivo, mas provavelmente deixa os espectadores que procuram filmes mais realistas um pouco incomodado com a subversividade desse. A estrutura casual e descontraída do filme certamente favorece a excentricidade sobre o suspense. Leva muito tempo para realmente entrar na narrativa principal, e ainda apresenta os antagonistas do filme muito antes do que se poderia esperar. Dá tempo para ridicularizá-los um pouco e os apresenta menos como assassinos aterrorizantes e mais como psicopatas emocionalmente tolos. Sempre há espaço na tela para esse tipo de cinema distinto. Equilibra com sucesso o humor inteligente com cenas bem filmadas de ação violenta. Seu elenco está bem comprometido com seu tom satírico. Ele reflete muitos trabalhos antigos de cinema, mas os equilibra de maneira a criar algo novo. Parece maravilhosamente original e me deixou ansiosa para ver o que virá a seguir das mentes aparentemente versáteis e geniais de seus diretores, cuja sua visão de mundo sombria é sustentada pelo sentimento de que existem maneiras de combater esse horror e, embora a narrativa ricocheteie entre o arco sutil e abertamente lenta, ela consegue executar supremamente sua visão audaciosa e angustiante.