O Conto da Aia | Abençoada Seja a Luta
6 Maio, 2019Se você nunca assistiu a série ou leu o livro, este artigo pode conter spoilers indesejados. Mas caso você não tenha problema, esse pode ser um guia para você conhecer tudo que acontece na série e possa curtir e entender melhor.
O Conto da Aia é um romance da escritora canadense Margaret Atwood e foi lançado em 1985, mas que retrata perfeitamente e assustadoramente o período atual. A série produzida pela MGM e exibida pelo serviço de streaming Hulu. No Brasil você pode assistir através do canal Paramount e globo play. Em janeiro de 2018, a série venceu o Globo de Ouro por Melhor Série de Drama e Elisabeth Moss, atriz que interpreta a protagonista da série, venceu na categoria Melhor Atriz de Série de Drama. A série trata de uma distopia sobre um futuro em que mulheres são tratadas como barriga de aluguel servindo ao Estado teocrático de Gilead, que antes era o que conhecemos por Estados Unidos. Pasme. O mundo era afetado por uma epidemia infértil, a taxa de natalidade caiu de forma brusca, sendo necessário uma intervenção. Um ponto importante a destacar, é como culpa da infertilidade cai para as mulheres, que assim foram organizada por grupos sociais, enquanto os homens mais poderosos e suas organizações, mandam e desmandam na política e suas casas. E se você acha que todas as ideias foram dadas por homens, vai ficar surpreso em saber que mulheres também contribuíram para que esse estado conservador ganhasse força.
Onde Tudo Começou
Um movimento fundamentalista trabalha com a reconstrução das regras cristãs e são chamados de “Filhos de Jacó”. Após um atentado terrorista que mata o Presidente da República, eles aplicam um golpe que acaba com Constituição dos Estados Unidos sob o pretexto de “restaurar a ordem da sociedade”. Já no poder, esse grupo tem acesso a registros financeiros armazenados eletronicamente e tudo sobre a sociedade, e assim começa a invasão. O novo regime, a República de Gileade, trabalha para reorganizar a sociedade com o modelo totalitário, militarizado e hierárquico de fanatismo religioso e social inspirado no Antigo Testamento da bíblia. Um exemplo disso, antes das cerimônias com o comandante, ele faz a leitura de um versículo bíblico, que justifica a sua ação posterior. Assim como em diversas outras cenas que não iremos falar e tirar sua experiência.
Nesta sociedade, os direitos humanos são severamente limitados e os direitos das mulheres são ainda mais restritos; por exemplo, as mulheres estão proibidas de ler. Gilead tem a falsa impressão de um país que vive bem e é perfeito de alguma forma, e o próprio comandante ressalta isso em um dos episódios: Um lugar bom pra uns, não significa que é bom para todos. Quando ele diz isso é que o que já vimos na realidade, alguém tem que pagar o preço, para que outros estejam bem. Quando se fala de uma série que vive uma distopia, estamos falando de lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação. E isso é vivido justo pelo grupo mais fraco: mulheres. O reforço da dominação masculina também não veio do além. É exatamente como a sociedade viveu. Todos os direitos adquiridos simplesmentes não existem mais. Direito ao voto, falar em público, trabalhar onde e como quiser, vestir o que quiser. Liberdade de ir e vir, ir para faculdade, bares e festas, casamentos. Não que conseguimos usufruir 100% deste direitos , mas a realidade de Gilead, é diferente de qualquer outra que possamos imaginar.
Passado e Presente
A fotografia te faz voltar a uma sociedade antiga e pacata, mas quando alguns representantes saem de Gilead até o Canadá, um país que não adotou o sistema deles, você consegue distinguir perfeitamente o atraso da sociedade em diferença as outras. As músicas ao fim dos episódios, também nos fazem lembrar que ela não está se passando em 1900 e sim no século 21. Atual a nossa realidade.
A série não foca apenas em um momento, durante a sua narrativa vemos histórias de suas vidas antigas em paralelo ao que estão agora, como da vida da personagem central, June Osborne ou Ofred (Nome em referência ao seu comandante). Partes importantes da vida de Serena, esposa do comandante, Nick o motorista da família, Moira a melhor amiga de June, entre outros também são contadas. Apesar da série ser sobre a June, ela tem episódios divididos para contar a história de outras mulheres e como foram suas vidas antes de perderem sua liberdade.
Paralelos com a Realidade
Ao longo da série também vemos que em Gilead não existe violência e fome. Mas elas não existem na forma de violência que vimos, não existe a fome que vemos nas ruas. Ao longo dos episódios, é mostrado um campo de concentração onde quem não serve para “nada”, tem a chance de trabalhar em meio resíduos químicos, até que morram de alguma doença. Tudo se torna sombrio e tenebroso quando você se depara com homens de preto com fuzis em sua mãos, corpos expostos em paredões. Ela existe somente para quem não cumpre as regras. Isso inclui violência física, tortura física e psicológica.
Pessoas são expostas após suas mortes cruéis, que nos remetem a castigo antigos, aplicados em sociedades bárbaras, para que os outros vejam o que acontece e não repita o mesmo erro. As que não são a esposa do comandantes, ficam divididas entre férteis e inférteis. As que podem ter filhos – poucas, pois todos os problemas do meio-ambiente causou danos à fertilidade de quase todas as mulheres – são mantidas na casa dos comandantes do governo para, uma vez por mês, e sim elas são estupradas por seus comandantes, em nome de uma gravidez com um propósito.
Mulheres do comandante aprendem a fazer serviços e tarefas como aprender a costurar, fazer artes e se reúnem com outras mulheres algumas vezes, para celebrar principalmente o nascimento de outra criança. Elas também são vetadas de participar de qualquer reunião de estados e impor sua opinião.
Antes de serem levadas a suas respectivas casas que viverão, elas são torturadas, passada por uma espécie de lavagem cerebral e culto para entender que sua vida antiga não existem mais. Existem uma organização das mulheres, como Aias ou servas, Esposas, Tias e Empregadas que são chamadas de Martas. Cada uma tem uma espécie de uniforme com cores específicas também, o qual indica o seu status social. O vermelho era destinado as servas (aias), azul era reservado às esposas, verde ficava para as Martas (empregadas da casa), e marrom para as tias. Aias tem seus momentos de “lazer” onde elas saem com uma outra Aia, fazem compras, mas essas atividades são restritas. Já que sua única sua função é abençoar aquela família com uma criança. E quando fazem isso, elas são levadas a outra casa. E se não fizer, pode existir um problema com a família, arruinando tudo.
A série nos leva a uma reflexão do que vivemos no nosso contexto político. Aqui ou em qualquer outro lugar do planeta. Vimos que as sociedades sempre se apropriam de algum acontecimento terrível, como momentos de tensão e medo vividos, para pregar a suas crenças e retirar a liberdade de forma mais violenta e abusiva, com o pretexto de que essa solução melhoram sua qualidade de vida. Mas eles nunca dizem para quem tá melhorando.
Nessa sociedade todo cuidado é pouco, June funciona como o estopim para que revolução comece, dando coragem a outras mulheres a não desistir e não aceitar o que foram dadas a elas.
The Handmaid’s Tale está caminhando para sua terceira temporada que deve focar numa Gilead mais fragilizada, agora que muitas mulheres conseguiram fugir e o mundo inteiro viu a outra face de uma sociedade que eles tentavam mostrar. O destino de June, Serena e Fred após perder sua filha e como eles vão lidar com os escândalos. Somente a primeira foi baseada no livro. Mas o fato de expor o tratamento degradante sofrido pelas mulheres, o desenvolvimento das personagens e da sociedade, ainda tem muito o que contar. A série abre porta também a reflexão do movimento feminista, como ele vem tomando espaço e ganhando voz em uma luta onde pedem igualdade de direitos. E também nos faz lembrar e questionar sobre o nosso próprio papel para a sociedade, isso inclui nossa liberdade em todos os sentidos. É uma viagem sensacional, que em momentos de dramas, tristezas e até mesmo horas que vemos o pouco sentimento de liberdade, em volta de um mundo cruel.
Lembrando que a série é +18 pelas suas diversas cenas de torturas, humilhação, morte e estupro. Sim, com vários gatilhos, então se você sensível a esse tipo de conteúdo, tenha em mente que não deve assistir sozinho.
Sou cinéfila e meu filme favorito é indie e pouco conhecido, ele se chama Barbie Fairytopia.