Crítica | ‘Nomadland’ é um pesadelo na América dos sonhos
3 Março, 2021Frances McDormand retorna às telas em mais um papel aclamado pela crítica. A atriz vencedora do Oscar por Três Anúncios para um Crime (2017) e Fargo (1996), interpreta aqui Fern; uma mulher viúva que, após a crise de 2008, começa a passar por diversas dificuldades financeiras com o fechamento de algumas fábricas em Nevada. O filme também mostra outras histórias comovente de pessoas que também foram atingidas pela crise e recorreram a emigração em massa na busca de trabalho e a própria sobrevivência, com relatos reais de nômades contemporâneos.
Por muito tempo foi mostrado a imagem que a América do Norte era o melhor lugar para se viver e com isso nasce a propaganda do “American Dream” vendida com a principal mensagem de prosperidade, liberdade e sucesso. Mas isso nunca aconteceu fora dos papéis. Um sistema falho e economia cruel levaram às crises e a eterna busca por melhores condições de vida e empregos. Tais sonhos colocam pessoas em situações até mesmo de risco, trabalhando de forma questionável e até deplorável. O filme tem uma observação crítica sobre a sociedade capitalista americana – o modelo dominante no mundo. E critica este modelo, com olhares e perspectivas diferentes.
A base do filme é o livro de não ficção: “Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century”, da autora Jessica Bruder. Histórias reais que detalham a vida e situação dos americanos mais velhos que não podiam se aposentar e trabalhavam em empregos temporários para diversas coorporações. Frances comprou os direitos do livro e com as boas recepções da diretora Chloe Zhao diante aos críticos de cinema – e uma das mais requisitadas diretoras da atualidade – foi convidada a produzir o filme, filmado no outono de 2018. A autora do livro, se dispôs por alguns anos, a seguir nômades por todo o país, morando também em uma van, colhendo essas histórias e mostrando a força de trabalho, de talvez, uma parte das pessoas esquecidas pelo próprio sistema.
Chloe Zhao é responsável pelo roteiro e produção do filme Nomadland, e além de usar locações reais, estão envolvidas na produção os próprios nômades da vida real; Swankie e Linda May, que interpretam elas mesmas e também serviram de inspiração para transmitir a mesma sensação ao público tanto do livro, como do filme, compartilhando a experiência de morar em trailers e histórias de pessoas refugiadas da recessão, em busca de empregos sazonais para se manterem vivos. O que faz da produção em geral brilhante, que mesmo com atores inexperientes, transmite autenticidade em cada cena, narrando seus sonhos e planos para o futuro em meio a frustração e tristeza.
Nomadland segue o que parece ser um falso documentário, com uma narrativa próxima o suficiente de histórias reais, como a fictícia Fern – uma mulher de 60 anos e de aparência um pouco abatida e cansada, pulando de emprego a emprego, estacionamentos e cidades, enquanto sozinha conduz uma van pelas estradas dos EUA. Um road movie, com uma fotografia impecável. Fern vai passando por estradas, paisagens, cidades e estados americanos em busca de um desfecho e mostrando situações cotidianas de outra perspectiva; como achar um local para estacionar sua van e dormir, comer, se aquecer no frio e até necessidades higiênicas.
Aqui ela faz novos amigos, vai a reuniões e encontros da comunidade nômade na estrada, e convida o público a estabelecer um vínculo com essas pessoas que pouco conhecemos ou talvez sejam ignorados por grande parte da sociedade.
Constantemente, o filme te leva a sentir empatia por esses personagens. E é importante que esses dialógos estejam presentes. Que mesmo com um “desenvolvimento” que parece lento para alguns espectadores, Fern constrói um diálogo íntimo com quem a assiste, de forma crua e poética. Uma personagem magnífica e cativante e que transmite toda emoção da sua dor e perdas, sem precisar de nenhum monólogo extenso com as câmeras para isso. Essas reflexões sobre a vida, o luto, o desapego, as desigualdades e injustiças, enriquecem a trama sobre o olhar da sociedade pós moderna, pondo em jogo expectativas, conflitos familiares e o questionamento da nossa jornada e o destino final.
A intensidade da trilha sonora e a direção de fotografia, valorizam ainda mais essas tomadas, e certamente faz de Nomadland, um dos mais fortes filmes da concorrência esse ano nas premiações.
Atualmente, Chloe Zhao também está por trás da produção de Os Eternos, longa produzido pela Marvel/Disney, e gera ainda mais expectativas de que ela tenha a mesma liberdade criativa que teve em suas outras produções. Nomadland ganhou o Globo de Ouro no último domingo (28) e já é o nome favorito pro Oscar 2021.
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Sou cinéfila e meu filme favorito é indie e pouco conhecido, ele se chama Barbie Fairytopia.